Clovis Queiroz, advogado, especialista em Direito do Trabalho e Segurança e Saúde no Trabalho e consultor da CBIC
A inclusão dos riscos psicossociais na Norma Regulamentadora 01 (NR 01) por meio da Portaria nº 1.419, de 27 de agosto de 2024, do Ministério do Trabalho e Emprego, representa uma mudança significativa no cenário da gestão de segurança e saúde no trabalho no Brasil. Esta medida amplia o conceito de risco ocupacional, trazendo à tona a necessidade de considerar não apenas os riscos físicos, químicos e biológicos, mas também os fatores que afetam a saúde mental e o bem-estar psicológico dos trabalhadores.
Em 2021, foi criado pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) o Grupo de Estudo Tripartite (GET) sobre Riscos Psicossociais, o resultado do trabalho foi apresentado no final do ano de 2022 para a CTPP, concluindo não haver a necessidade de se criar uma Norma Regulamentadora específica sobre essa questão, uma vez que o texto da NR 17 e algumas NRs setoriais, já tratam desta temática. Ainda em 2023, foi elaborado o texto da Análise de Impacto Regulatório do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais da NR 01. Este documento, entretanto, não previu a inclusão da temática dos riscos psicossociais no texto da norma, sendo a sua inclusão solicitada unicamente pelo Ministério Público do Trabalho, na fase de consulta pública da NR 01.
O debate para a inclusão ou não dos riscos psicossociais no texto da norma, foi tratado posteriormente no Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), não alcançando o consenso entre as três representações (governo, trabalhadores e empregadores). Essa falta de consenso permaneceu quando da análise final do texto na reunião da CTPP de julho de 2024. A representação empresarial, posicionou-se pela não inclusão dos riscos psicossociais no texto da NR 01, por entender que seria um fator de confusão a sua operacionalização, uma vez que ela já estava prevista em outras NRs e, sua aplicação poderia ser entendida pelo mercado e pela fiscalização do próprio MTE como algo além da organização do trabalho, tendo sua dimensão extrapolada para a promoção da saúde mental, o que de fato, não é o seu objetivo. Ao final, a sua inclusão, foi apoiada pela representação dos trabalhadores, resultando, um “arbitramento” pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Importante destacar, que os riscos psicossociais se referem a aspectos do ambiente de trabalho, da organização do trabalho e das relações laborais que têm o potencial de causar danos à saúde psicológica e física dos trabalhadores. Eles podem incluir fatores como cargas de trabalho excessivas, falta de apoio social, baixa autonomia, insegurança no emprego, assédio moral, entre outros. Esses riscos podem levar ao desenvolvimento de doenças como a síndrome de burnout, depressão, ansiedade e outros transtornos psicossomáticos, impactando diretamente a produtividade e a eficiência da força de trabalho.
Para as empresas, a inclusão dos riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) poderá ser um grande complicador, caso não haja até a entrada em vigor desta obrigação (270 dias após a publicação da Portaria n.º 1.419/2024), a regulamentação de uma definição clara e precisa, por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, do que de fato deverá ser considerado no GRO e quais são os seus limites dentro da esfera temática da segurança e saúde no trabalho.
A adaptação ao novo marco regulatório, entretanto, não é isenta de desafios não só por uma falta de uma maior clareza normativa. Muitas empresas ainda enfrentam dificuldades em reconhecer e mensurar os riscos psicossociais, dada a natureza subjetiva desses fatores. Além disso, é necessário investir em treinamentos específicos para gestores e líderes de equipe, para que possam identificar sinais de risco e intervir de forma adequada.
Visando minimizar os impactos que a inclusão dos riscos psicossociais pode ocasionar para a operacionalização por parte das empresas, sugerimos as seguintes estratégias:
– Mapeamento de Riscos e Diagnóstico Organizacional: Realizar um diagnóstico detalhado do ambiente de trabalho, identificando fatores de risco psicossocial presentes e mapeando áreas críticas. Este processo pode envolver pesquisas de clima organizacional, entrevistas, e análise de dados de saúde ocupacional;
– Promoção de uma Cultura de Saúde Mental: Implementar programas de bem-estar e saúde mental, como palestras, workshops e iniciativas de apoio psicológico. Promover um ambiente de comunicação aberta e segura também é essencial para que os funcionários se sintam confortáveis em relatar problemas;
– Revisão de Políticas de Recursos Humanos: Revisar e atualizar as políticas de recursos humanos para incluir práticas de gestão que minimizem o estresse ocupacional, como políticas de trabalho flexível, práticas de reconhecimento e valorização, e suporte a colaboradores em situações de crise.
O certo, e o mais seguro neste momento, é que, até que o Ministério do Trabalho e Emprego venha a detalhar por meio de um guia ou mesmo, notas técnicas expedidas pela Secretária de Inspeção do Trabalho (SIT), qual será o verdadeiro alcance da inclusão dos riscos psicossociais na NR 01, a abordagem preventiva deve ser vista como um investimento estratégico de longo prazo, com potencial para gerar retorno positivo em múltiplas frentes – do bem-estar dos funcionários à segurança jurídica para as empresas.
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